Chico Buarque de Holanda

"Mesmo que os cantores sejam falsos como eu/ Serão bonitas, não importa/ São bonitas as canções/ Mesmo miseráveis os poetas/ Os seus versos serão bons"

O despontar

(Escrito em 2007, se pá)



Ele é pequeno... Bem pequeno; bem além de microscópico. Você não o vê, não o sente... Até que um dia, de repente... bem... ainda é cedo, você ainda não o vê, ainda não o sente.

Ele está no ar, está no solo, está na água, está no... Não, não está no fogo: ele próprio arde, mas você não sente.

No ar ele vibra, pela orelha ele entra, a mente ele alcança, a alma ele toca.

Ele infecta o chão onde você crava os pés nus, encontra neles a ferida aberta, cai na corrente sanguínea, de dentro comanda, por dentro domina.

Da areia da praia que você tanto pisa, ele é o grão mais leve, e é levado pela brisa. Ele se destaca e você não vê, não sente; é o rudimento de uma nova forma de pensar ou, ao menos, com engenho, pode o tédio amenizar.

Ele forma nuvens, muda o clima e a atmosfera. As gotas da chuva caem, umedecem os teus sequiosos lábios. Ao saciar a sede, você se contamina.

Sorrateiro e paulatino ele incrusta-se, e já não há nada que se possa fazer. Você deve notá-lo, e nota-o. Você se incomoda, mas agora é tarde. De dentro ele comanda, por dentro ele domina.

Ele não se multiplica, apenas irradia. Ele é só, e soa. E você ressoa.

A solitude leva-o ao palco, com o público ele faz comunhão. Só assim se integra, só assim se faz como os outros, brincando de ser algo para alguém. Quando o show acaba e o público se vai, o prazer se esvai, mas lhe restam o poder e um vestígio de paz.


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